quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Comparando Buda e Jesus



Dois Mestres Que Partilhavam da Divindade
 
 
Eça de Queiroz
 
 
 
O escritor português Eça de Queiroz (1845-1900)
 
 
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O texto a seguir é reproduzido
do volume “A Correspondência de
Fradique Mendes”, de Eça de Queiroz,
L& PM Pocket, 2001, 206 pp., pp. 196-198.
Trata-se de um fragmento do capítulo XVI.
 
Na década de 1970, seu conteúdo causou escândalo
e divisão na cúpula do movimento teosófico brasileiro. [1]
 
(C. C. A.)
 
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Muito aprovo, minha estudiosa Clara, que andes lendo a [história] do divino Buda. Dizes, desconsoladamente, que ele te parece apenas um Jesus muito complicado. Mas, meu amor, é necessário desentulhar esse pobre Buda da densa aluvião de Lendas e Maravilhas que sobre ele tem acarretado, durante séculos, a imaginação da Ásia.
 
Tal como ela foi, desprendida da sua mitologia, e na sua nudez histórica, - nunca alma melhor visitou a terra, e nada iguala, como virtude heróica, a “Noite do Renunciamento”.
 
Jesus foi um proletário, um mendigo sem vinha ou leira, sem amor nenhum terrestre, que errava pelos campos da Galileia, aconselhando aos homens a que abandonassem como ele os seus lares e bens, descessem à solidão e à mendicidade, para penetrarem um dia num Reino venturoso, abstrato, que está nos Céus. Nada sacrificava em si e instigava os outros ao sacrifício - chamando todas as grandezas ao nível da sua humildade.
 
O Buda, pelo contrário, era um Príncipe, e como eles costumam ser na Ásia, de ilimitado poder, de ilimitada riqueza: casara por um imenso amor, e daí lhe viera um filho, em quem esse amor mais se sublimara: - e este príncipe, este esposo, este pai, um dia, por dedicação aos homens, deixa o seu palácio, o seu reino, a esposada do seu coração, o filhinho adormecido no berço de nácar, e, sob a rude estamenha [2] de um mendicante, vai através do mundo esmolando e pregando a renúncia aos deleites, o aniquilamento de todo o desejo, o ilimitado amor pelos seres, o incessante aperfeiçoamento na caridade, o desdém forte do ascetismo que se tortura, a cultura perene da misericórdia que resgata, e a confiança na morte...
 
Incontestavelmente, a meu ver (tanto quanto estas excelsas coisas se podem discernir duma casa de Paris, no século XIX e com defluxo) a vida do Buda é mais meritória. E depois considera a diferença do ensino dos dois divinos Mestres. Um, Jesus, diz:
 
“Eu sou filho de Deus, e insto com cada um de vós, homens mortais, em que pratiqueis o bem durante os poucos anos que passais na Terra, para que eu depois, em prêmio, vos dê a cada um, individualmente, uma existência superior, infinita em anos e infinita em delícias, num palácio que está para além das nuvens e que é de meu Pai!”
 
O Buda, esse, diz simplesmente:
 
“Eu sou um pobre frade mendicante, e peço-vos que sejais bons durante a vida, porque de vós, em recompensa, nascerão outros melhores, e desses outros ainda mais perfeitos, e assim, pela prática crescente da virtude em cada geração, se estabelecerá pouco a pouco na Terra a virtude universal!”
 
A justiça do justo, portanto, segundo Jesus, só aproveita egoistamente ao justo. E a justiça do justo, segundo o Buda, aproveita ao ser que o substituir na existência, e depois ao outro que desse nascer, sempre durante a passagem na Terra, para lucro eterno da Terra. Jesus cria uma aristocracia de santos, que arrebata para o Céu onde ele é Rei, e que constituem a corte do Céu para deleite da sua divindade; - e não vem dela proveito direto para o Mundo, que continua a sofrer da sua porção de Mal, sempre indiminuída. O Buda, esse, cria, pela soma das virtudes individuais, santamente acumuladas, uma Humanidade que em cada ciclo nasce progressivamente melhor, que por fim se torna perfeita, e que se estende a toda a Terra donde o Mal desaparece, e onde o Buda é sempre, à beira do caminho rude, o mesmo frade mendicante.
 
Eu, minha flor, sou pelo Buda. Em todo caso, esses dois Mestres possuíram, para bem dos homens, a maior porção de Divindade que até hoje tem sido dado à alma humana conter.
 
De resto, tudo isto é muito complicado; e tu sabiamente procederias em deixar o Buda no seu Budismo, e, uma vez que esses teus bosques são tão admiráveis, em te retemperar na sua força e nos seus aromas salutares. O Buda pertence à cidade e ao colégio de França: no campo a verdadeira Ciência deve cair das árvores, como nos tempos de Eva. Qualquer folha de olmo te ensina mais que todas as folhas dos livros. Sobretudo do que eu - que aqui estou pontificando, e fazendo pedantescamente, ante os teus lindos olhos, tão finos e meigos, um curso escandaloso de Religiões Comparadas.
 
NOTAS:
 
[1] O presente fragmento de Eça provocou uma séria crise de poder na Sociedade Teosófica de Adyar no Brasil. Publicado sob o título “Comparação Pouco Conhecida” na revista “O Teosofista”, em sua edição número um de 1977, pp. 30-31, o texto causou profunda revolta na cúpula ritualística daquela sociedade, formada por seguidores de Annie Besant.  Em correspondência datada de 28 de abril de 1977 e dirigida ao então presidente da seção nacional, Murillo Nunes de Azevedo, alguns dos principais líderes do movimento teosófico adyarista expressaram a sua “estranheza e preocupação”. Eles não podiam aceitar a publicação do texto de Eça. O motivo da indignação era que o fragmento incluía referências a Jesus que eles consideravam como “depreciativas, impróprias e inverídicas”. Para eles era um absurdo inadmissível insinuar que Buda fosse mais sábio que Jesus, ou que seus ensinamentos eram mais completos que os ensinamentos cristãos. A carta - cujo texto revela desinformação e intolerância - ameaçava com uma cisão na Sociedade. Entre os que a assinavam estavam dirigentes bem conhecidos como Cora Salles, Cinira R. Figueiredo, J. Gervasio Figueiredo, Carmen Piza e Olinda Pugliesi. Expressando a revolta da ortodoxia dos rituais besantianos, José Hermógenes de Andrade Filho renunciou ao cargo de vice-presidente nacional em carta datada de 29 de abril de 1977. Desde então, e até o final do seu mandato, Murillo teve pouca influência e participação nos rumos da Sociedade no Brasil. A história ocorre em ciclos, porém, e obedece a marés cármicas. Muitos anos mais tarde, Murillo seria nomeado pela presidente internacional Radha Burnier para ser responsável pela Escola Esotérica de Adyar no Brasil, tendo como seu principal auxiliar a Sra. Olinda Pugliesi - que havia assinado a carta de 1977. Monge budista, Murillo Nunes de Azevedo (1920-2007) foi autor de vários livros. Cópia dos documentos relativos aos fatos narrados acima fazem parte da biblioteca da loja luso-brasileira da Loja Unida de Teosofistas. Reprodução fotostática deles está à disposição de pesquisadores que desejem estudar este notável episódio histórico. (C. C. A. )
 
[2] Estamenha - veste religiosa. 
 
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Texto originalmente publicado em www.Filosofiaesoterica.com 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A Inteligência Emocional



Como a Ciência Convencional Descobre as
Potencialidades Ilimitadas da Consciência Humana

Carlos Cardoso Aveline

 
Há algum tempo, duas perguntas na aparência simples, colocadas pela ciência, vêm  subvertendo a maneira estabelecida de ver e de pensar a nós próprios:

“O que é inteligência? Quantas inteligências possui o ser humano?”

As respostas a essas questões nos levam a uma expansão do nosso campo de consciência individual, enquanto integram e harmonizam os diferentes setores do nosso ser.

Até 1981, para todos os efeitos havia uma só inteligência: era a capacidade de compreender lógica e racionalmente as coisas, e estava sediada no hemisfério cerebral esquerdo do neocórtex, o grande sistema de tecidos ondulados das camadas superiores do cérebro.

Naquele ano, quando o pesquisador Roger Sperry recebeu o prêmio Nobel de Medicina depois de descobrir que o hemisfério cerebral direito também contribui para a inteligência humana, rompeu-se uma ilusão coletiva. Começava uma revolução. O conceito de inteligência passava a ampliar-se radicalmente em direção a níveis ilimitados.

Como funciona o hemisfério cerebral esquerdo? Ele é racional. Vê as coisas uma depois da outra, em sucessão cronológica. Estuda as relações diretas de causa e efeito (e se guia por elas), classifica, analisa e rotula. Em relação ao tempo, seu lema é “primeiro uma coisa, depois a outra”. Em relação ao espaço, sua bandeira é “um lugar para cada coisa, e cada coisa em seu lugar”. As perguntas preferidas são as mesmas questões-chave do jornalismo convencional: Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê?

Antes, no plano do conhecimento comum, tanto as emoções como as intuições e hábitos, apesar de fazerem parte da consciência humana, eram vistos como alheios ao processo da inteligência propriamente dita. “Compreender” era uma coisa, “viver” era outra.

Inteligência não tinha nada a ver com instinto ou intuição. A partir dos trabalhos de Sperry sobre o hemisfério direito, passou a surgir no âmbito da ciência ocidental algo que as tradições orientais trazem consigo há milhares de anos: a percepção de que o ser humano tem diferentes consciências, ou inteligências, dentro de si. Cabe a nós próprios desenvolvê-las harmoniosamente. O hemisfério cerebral direito, no neocórtex, por exemplo, tem características opostas e complementares às do hemisfério esquerdo.

A ideia é simples.

O neocórtex direito é capaz de ver tudo em um relance, subitamente. Não precisa fazer inúmeras operações mentais, cálculos, perguntas ou suposições antes de chegar a uma conclusão. Ele faz associações entre coisas diferentes, entende cada uma das partes a partir do contexto. Chega à verdade de modo direto e misterioso, amplia, intui, adivinha e prevê. A percepção instantânea é a marca registrada do hemisfério direito.

Ele responderia do seguinte modo às preocupações do neocórtex esquerdo:

“Não importa quem faz o que, nem onde, quando, como e por quê. O que importa é o todo, que é indescritível por palavras e só pode ser percebido diretamente pelo coração humano. O ontem, o hoje e o amanhã só existem na verdade aqui e agora. Só o agora e o eterno são reais, e eles ocorrem ao mesmo tempo. São simultâneos.”

A descoberta das funções opostas e complementares dos dois hemisférios cerebrais  - que confirma o ensinamento da teosofia de Helena Blavatsky - criou o primeiro patamar da ampliação revolucionária que está ocorrendo na maneira como a ciência convencional vê a inteligência humana. Mas o comportamento prático e as emoções ainda ficavam do lado de fora da nossa ideia de inteligência. A transformação alcançou níveis mais amplos a partir dos trabalhos de Paul MacLean, que trouxe para dentro do conceito de inteligência o chamado “inconsciente” e mostrou onde estão no corpo humano as suas bases físicas e operacionais.

Para MacLean, o cérebro humano inclui três estruturas diferentes:

* O neocórtex, com seus dois hemisférios, produz pensamento e imaginação.

* Logo abaixo dele, temos o sistema límbico ou cérebro emocional, que nos permite sentir e desejar; e, mais abaixo,

* Um terceiro cérebro, que coordena todo o nosso comportamento, nossos hábitos e padrões repetitivos.

MacLean escreveu:

“Essas três formações (…..) podem ser imaginadas como três computadores biológicos interligados, cada um tendo sua própria inteligência especial, sua própria subjetividade, sua própria memória e movimentação.”

Elaine de Beauport escreve no livro “Inteligência Emocional, Três Aspectos da Mente”:

“A descrição de MacLean de um cérebro tríplice, com três sistemas física e quimicamente muito diferentes e, no entanto, interconectados em uma única realidade, constitui o mapa de que necessitamos para avançar até a plena consciência humana”. [1]

Na verdade, o cérebro tríplice do ser humano é, em si mesmo, um resumo da longa história do reino animal.

“Ao longo de milhões de anos de evolução”, escreve Daniel Goleman em Inteligência Emocional[2]“o cérebro cresceu de baixo para cima, com os centros superiores desenvolvendo-se como elaborações das partes inferiores, mais antigas. O crescimento do cérebro em cada embrião humano refaz mais ou menos este percurso evolucionário”.

Assim, temos um cérebro herdado dos nossos irmãos répteis, ou pelo menos que possui uma relação especial com eles. Não é à toa que dizemos gostar de lagartear  ao sol, acusamos alguém de derramarlágrimas de crocodilo ou pensamos que uma pessoa insincera é perigosa como uma cobra.

A consciência reptiliana é nossa íntima conhecida, porque faz parte de nós. Localizado no tronco cerebral, o cérebro herdado dos répteis controla nossas reações e movimentos automáticos, os hábitos, os gestos instintivos, o comportamento condicionado, o nosso ritmo involuntário.

Temos um segundo cérebro que é compartilhado com os nossos irmãos mamíferos. Ele é chamado límbico porque em latim limbus significa orla, periferia, e ele está situado nos limites externos do tronco cerebral, que é a sede do cérebro reptiliano. A partir do sentido do olfato, o mamífero despertou e desenvolveu suas emoções, construindo o cérebro emocional.

Um cachorro, por exemplo, tem milhares de cheiros catalogados em sua vasta memória. Ele se comporta como um grande botânico quando caminha por um jardim. Para ele, a natureza é uma biblioteca infinita. Ele lê com o focinho. Ele compara, cataloga, classifica, e sente emoções com o que através do seu faro. Se um cachorro verbalizasse o que sabe, poderia dar cursos sobre aromaterapia, para dar um exemplo prático. Mas o neocórtex dele ainda está se desenvolvendo, e ele não coloca em palavras o que sabe ou sente.

Os mamíferos - inclusive os mamíferos marinhos, cuja inteligência é sofisticada - têm como tarefa geral e prioritária o desenvolvimento da capacidade de sentir. Esta é uma das razões por que devemos tratar bem os animais, e por isso o carma negativo - a responsabilidade - dos que abatem animais é enorme.

Os bichos sentem a aproximação da morte e sofrem - assim como sentem o amor - com intensidade tão grande quanto um ser humano, se é possível medi-la e compará-la. O fato de o animal mamífero não falar verbalmente nada significa. Ele fala com os olhos, fala corporalmente, e a intensa emoção que transmite não só está em completa harmonia com seu comportamento, como também é um discurso perfeitamente compreensível para um ser humano que tenha um pouco de atenção.

Os animais têm suas próprias e várias inteligências, e o fato de elas serem diferentes das inteligências a que estamos mais acostumados nos dá uma chance de aprender coisas importantes com esses nossos irmãos menores. A inteligência não é exclusivamente do ser humano, mas está presente em toda a natureza, e o ser humano é que só vem percebendo isso gradualmente, à medida que evolui. [3]

Quando surgiu, então, o cérebro tipicamente humano? Os cálculos cronológicos em relação à origem do homem são um terreno pouco firme. Hoje, a ciência convencional calcula que há cerca de 100 milhões de anos o cérebro dos mamíferos deu um salto, fazendo surgir o neocórtex com seus dois hemisférios. A filosofia esotérica ensina outra cronologia, e a ciência convencional só pouco a pouco vem revisando seus cálculos desde o final do século 19 e aproximando-se do que é partilhado nas páginas da obra “A Doutrina Secreta”, de Helena Blavatsky.

Quando nasce o homo sapiens da ciência convencional, o ser humano descobre,  pouco a pouco, a solidão, a separação, e o egoísmo ambicioso de um “eu” que pensa que é único no mundo, mas também percebe suas próprias potencialidades ilimitadas no campo da sabedoria e do altruísmo.

A principal “descoberta” de MacLean é algo que a teosofia clássica ensina há milhares de anos: o cérebro humano é sede de consciências muito diversas entre si.

A grande expansão da inteligência humana que estamos experimentando na fase contemporânea da história consiste, na verdade, na ampliação do nosso foco de consciência para que ele seja capaz de incluir, de um lado, as nossas consciências “animais” e, de outro, as nossas consciências divinas; e de perceber, ao mesmo tempo, a harmonia fundamental que há entre elas. Para isso é necessária certa quantidade de sabedoria.

O réptil fala em nós através dos nossos hábitos, rotinas, reações automáticas de ataque e defesa.

O mamífero fala em nós através dos afetos, dos amores e rancores, apegos e rejeições, das euforias e frustrações.

O neocórtex direito fala através das intuições, e pela elevação religiosa e mística.

O nosso eu pensante, apoiado no neocórtex esquerdo, usa como instrumento as palavras, e pode ficar preso a elas, convencido de que a sua forma “concreta” e “racional” de perceber a realidade é o único acesso possível à verdade.

O choque entre esses diferentes níveis de consciência, que são relativamente independentes entre si, tem sido durante milhares de anos uma fonte terrível de conflitos para a alma humana.

Cada pessoa se identifica mais com determinados setores do cérebro, por uma questão de temperamento. E frequentemente despreza - ou teme - outros níveis de consciência, aos quais procura negar. Isso cria não só conflitos psicológicos dolorosos, mas choques entre as pessoas. Não raro, essa luta dramática entre as naturezas humana, animal e divina dentro de nós prossegue até um estágio avançado do caminho espiritual. No Novo Testamento, o apóstolo Paulo expressa esse conflito incessante entre nossas diferentes inteligências quando escreve:

“Querer o bem está no meu alcance; não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero.” (Romanos, VII, 18-19).

Quando as diferentes inteligências ou consciências de um ser humano entram em choque, elas ignoram umas às outras, e este conflito entre luz e sombra tem destruído ou afastado do caminho milhares de buscadores da verdade.

Ao nível do neocórtex (o cérebro humano), a pessoa tem as melhores intenções, mas o seu cérebro de animal mamífero - límbico - pode ter interesses opostos e desencadear uma luta sem tréguas, causando um conflito no cérebro reptiliano - que, situado no tronco cerebral, controla a nossa saúde física, os ritmos corporais e o comportamento.

Quando isso ocorre, o resultado é, em geral, a incoerência de comportamento, a distância entre discurso e prática ou intenção e gesto; a dor; o sofrimento; e, em casos mais graves, a hipocrisia. A hipocrisia e a  falsidade intencional ocorrem quando se quebra parte de antahkarana, a ponte espiritual entre o eu imortal e a personalidade mortal, cuja tarefa é estabelecer uma linha de coerência (imperfeita, porque humana) entre cada setor “terrestre”  do indivíduo e a sua instância divina interior. “O caminho para o inferno está pavimentado com boas intenções”, diz o ditado. Auto-observação e discernimento são essenciais no caminho espiritual. As boas intenções são na verdade o caminho para o céu, mas elas necessitam ser protegidas pelo discernimento.

A descoberta científica de que o nosso cérebro é tríplice, com três setores relativamente independentes entre si e com milhões de anos de diferença entre suas idades, permite ir além de uma velha situação de conflito entre a nossa natureza espiritual e a nossa natureza animal. Leva-nos a produzir um acordo entre as três áreas cerebrais. Essa harmonização é mais fácil a partir do momento em que sabemos como cada cérebro funciona.

Sempre que há comunicação e harmonia, a natureza animal passa a servir espontaneamente a natureza divina em nosso interior. O animal só se rebela contra o homem quando lhe faltam as condições básicas para viver, ou quando não é amado nem respeitado. Essas várias consciências devem conhecer-se umas às outras e definir um propósito comum que seja razoável para os interesses de cada uma delas. Depois disso, poderão dedicar-se harmoniosamente à busca desta meta central, que integra diferentes objetivos setoriais como rotinas estáveis (réptil), intensidade emocional (mamífero), ordem racional (neocórtex esquerdo) e abertura para o infinito e transcendência (neocórtex direito).

É possível, também, traçar um quadro comparativo entre o novo esquema do cérebro tríplice e a tradicional visão esotérica dos vários níveis de consciência humanos. Na tradição cristã, por exemplo, temos o corpo (cujos ritmos são governados pelo cérebro reptiliano), a alma (em relação estreita com o cérebro límbico e o neocórtex esquerdo) e o espírito (que atua tendo principalmente o neocórtex direito como ponto de apoio). Na literatura teosófica, temos o corpo físico denso e o corpo etérico como áreas de atuação prioritária do cérebro reptiliano. Em seguida, os corpos astral (ou emocional) e mental concreto, que são, respectivamente, as áreas de atuação prioritária do cérebro límbico e do hemisfério esquerdo do neocórtex. Até aqui, a parte mortal do ser, que trabalha com faixas vibratórias mais densas. No chamado “eu imortal”, os diferentes níveis de consciência da mente abstrata ou inteligência espiritual (manas), da intuição espiritual (buddhi) e da vontade espiritual (atma) atuam, principalmente, através do hemisfério direito do neocórtex.

Vejamos um gráfico a respeito. Na coluna da esquerda, temos a classificação setenária da consciência humana segundo a teosofia original de Helena Blavatsky.

Dividimos o quinto princípio, Manas, em seus dois aspectos, superior e inferior, ou Buddhi-Manas eKama-Manas.

Na relação dinâmica entre os elementos das duas colunas, é preciso levar em conta que os elementos deste gráfico estabelecem relações dominantes, mas não exclusivas. Cada elemento interage fortemente o tempo todo com os outros fatores, e vale a regra “todos por um e um por todos”:

 
 
A interação entre estes vários níveis ou setores da consciência humana é de uma riqueza e complexidade enormes.  Só no corpo físico, são bilhões de células trocando mensagens entre si o tempo todo. Ao longo de milhões de anos, o ser humano vem instalando gradualmente no topo da sua coluna vertebral antenas capazes de captar as energias divinas de maneira cada vez mais clara. A consciência vai transferindo o seu foco desde os níveis animais até faixas vibratórias mais elevadas,  através do velho método da tentativa e do erro, seguidos de nova tentativa.  

Deste modo a ciência convencional descobre aspectos significativos da filosofia esotérica, e Elaine de Beauport mostra que o cérebro humano é um sistema de energias e não um conjunto constituído de partes fixas.

Cada um dos seus três níveis principais tem diferentes inteligências ou maneiras de perceber a realidade. Este modo abrangente de observar os fenômenos da nossa consciência nos permite economizar a maior parte da energia que vem sendo desperdiçada há milhares de anos em conflitos psicológicos baseados, por um lado,  na ignorância de nós mesmos , e, por outro lado, na crença de que há partes do ser humano que são boas e devem ser aceitas, enquanto há outras que são más e devem ser eliminadas pela violência psicológica ou até física.

Todas as perseguições promovidas na história contra dissidentes e hereges decorreram do hábito de pretender eliminar as partes “indesejáveis” do ser humano, seja individual ou coletivamente. Chegamos agora ao ponto em que percebemos o óbvio: a observação e a compreensão valem mais do que a força bruta.

O ensinamento milenar de Buddha afirma:

“Nesse  mundo a inimizade nunca é eliminada pelo ódio. A inimizade é eliminada pelo amor. Essa é a Lei Eterna.” [4]

A ignorância deixa de existir graças à compreensão que surge da luz do eu superior, Buddhi.

Embora nem sempre seja fácil viver à altura desta verdade básica, sempre é possível avançar na sua direção. O caminho teosófico é o caminho do auto-conhecimento.
  
NOTAS:  

[1] “Inteligência Emocional - As Três Faces da Mente”, Elaine Beauport, Editora Teosófica, Brasília, 1998, 408 pp.

[2] “Inteligência Emocional”, Daniel Goleman, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 370 pp. Do mesmo autor, veja “A Mente Meditativa” (Ed. Ática) e “Mentiras Essenciais, Verdades Simples (Ed. Rocco).

[3] Veja o capítulo 13, “A Inteligência dos Animais”, na obra “A Vida Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline, Editora Bodigaya, Porto Alegre, 2007, pp. 105-113.


[4] “O Dhammapada - o Clássico Budista”, obra disponível em  www.FilosofiaEsoterica.com .  A passagem está no Capítulo 1, “Os Versos Gêmeos”.

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O texto acima foi publicado inicialmente nos anos 1990 pela revista “Planeta”, edição especial “Nova Era”, número 7, pp. 21-25, sob o título “A Revolução da Inteligência Emocional”.  Em fevereiro de 2013, foi revisado e atualizado pelo autor.


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Texto originalmente publicado em www.FilosofiaEsoterica.com .

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Como a Teosofia Vê o Nazismo


Filosofia Esotérica Ensina Respeito Por
Todos os Povos, e Pela Autonomia de Cada Cidadão
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
 
Quando chega a hora do amanhecer, nada
mais pode deter o nascimento do sol da verdade
 

 
Os editores de www.FilosofiaEsoterica.com e seus websites associados recebem com certa frequência mensagens de amigos e leitores perguntando como a Teosofia vê o Nazismo.  
 
O tema é, a nosso ver, da maior importância.
 
Existe toda uma linha de atividades pseudo-místicas procurando misturar nazismo com sabedoria esotérica.  É possível que o Vaticano esteja interessado nisso.
 
Há muitos séculos os papas e seus cardeais mais próximos perseguem a teosofia e toda forma de pensamento livre. No século vinte, o Vaticano apoiou o nazismo e o fascismo. É bem conhecido o fato de que Adolf Hitler jamais foi criticado pelo Papa. As relações da cúpula da igreja católica com o fascismo de Mussolini, primeiro, e mais tarde com a máfia italiana, sempre foram discretamente íntimas, mas também deram origem a diversos  escândalos de grande porte. As repetidas notícias de crimes envolvendo a alta cúpula do Vaticano, inclusive no século 21, são apenas a ponta do iceberg.
 
É um dever da teosofia original mostrar o fato básico de  que, além de serem criminosos e  genocidas, Adolf Hitler e seus assessores foram magos anti-evolutivos. Suas técnicas de hipnotismo coletivo através de propaganda, e o seu uso sistemático de slogans com efeito de mantras,  bloquearam a autonomia do pensamento dos cidadãos na Alemanha e alguns outros países. O processo de lavagem cerebral através de slogans mantrâmicos foi semelhante ao usado por Joseph Stálin ao dominar as mentes da maior parte dos cidadãos da então União Soviética.
 
Sendo sombra espiritual, o nazismo imitava a luz. Ele roubava conceitos de filosofia para promover crimes contra a humanidade.
 
De modo semelhante, durante séculos o Vaticano torturou e matou centenas de milhares de pessoas, chamadas de “hereges”, cometendo tais crimes em nome de Jesus, o príncipe da paz, e do Deus de Amor. Até mesmo o pensador luso-brasileiro Antônio Vieira viveu durante anos como prisioneiro nos cárceres da Inquisição, sobrevivendo em condições desumanas e respondendo a interrogatórios intermináveis, feitos sempre “em nome de Deus”.  
 
O que a teosofia tem a dizer sobre o nazismo?
 
Apresentamos a seguir uma seleção de títulos de textos de nossos websites que mostram a verdade sobre a relação entre a filosofia esotérica, a sabedoria, o nazi-fascismo,  o anti-semitismo,  o racismo e o desrespeito pela vida em geral, nas suas várias dimensões, ligações e aspectos.  
 
Incluímos também alguns títulos sobre os próximos passos da nossa humanidade e sobre como os leitores e cidadãos podem transformar-se em operários livres da fraternidade universal e da democracia participativa em escala simultaneamente local e planetária.
 
Cada um dos títulos pode ser localizado através da Lista  de Textos em Ordem Alfabética em  nosso website  www.FilosofiaEsoterica.com:
 
1) Blavatsky, ONU e Democracia;
 
2) A Teosofia e a 2a. Guerra Mundial;
 
3) O Significado da Suástica (de Joaquim  Soares);
 
4) A Teosofia da Civilização Futura;
 
5) Informe sobre Jung e a Teosofia;
 
6)  Jung Escreve Contra a Teosofia;
 
7)  A Teosofia e o 'Bardo Thodol';
 
8)  Freud, Jung e a Religião  (de E. Fromm);
 
9)  Carl Jung, a Ética e a Psicologia (de E. Fromm);
 
10)  O Racismo em Nome da Teosofia;
 
11)  Leadbeater Diz que Matou Brasileiros;
 
12)  Deus e Guerra no Oriente Médio;
 
13) O Islamismo é Maior Que a Violência;
 
14)  Onze Aforismos da Tradição Judaica;
 
15)  Duas Orações Pela Paz;
 
16)  O Inquisidor (poema de Augusto de Lima);
 
17) O Poder de Sugestão (de Robert Crosbie);
 
18)  A Filosofia Planetária de Barack Obama;
 
19) O Aprendizado de Barack Obama;
 
20) Meditando pelo Despertar do Brasil;
 
21)  Meditando pelo Despertar de Portugal; 
 
22) Meditação pelo Despertar Planetário.
 
O assunto “nazismo, anti-semitismo, democracia e teosofia” é importante por diversos motivos.   Mencionaremos apenas um: é  através da derrota das propostas autoritárias -   religiosas, como no caso do Vaticano,  e políticas, como no caso do nazismo - que floresce a liberdade de pensamento. 
 
A liberdade de pensamento permite a expressão da alma. Ela torna necessária a auto-responsabilidade, e leva passo a passo à compreensão da lei da fraternidade universal. Isso nem sempre é fácil: o fato de viver requer discernimento. O caminho da sabedoria ensina a pensar por si mesmo e a ver com independência o que é joio e o que é trigo.
 
Assim, uma das prioridades dos teosofistas é estabelecer uma clara diferença entre a magia e a atitude altruístas, que respeitam a diversidade da vida, e a magia e a atitude egoístas, que a desrespeitam. Erich Fromm escreveu com grande clareza sobre este ponto decisivo.
 
Por outro lado, talvez seja prioridade para os adversários da filosofia da sinceridade estabelecer uma confusão entre estes dois campos de forças magnéticas.
 
Os infelizes que se identificam com a ignorância espiritual tentam retardar o inevitável surgimento da verdade. Eles preferem ficar apegados medrosamente ao sofrimento que conhecem, ao invés de viver a felicidade interior que ainda não conhecem -; a felicidade de ser sincero. Porém, quando chega o momento em que deve surgir o novo dia, ninguém mais tem o poder de impedir o lento nascer do sol. A luz começa a surgir em pequena escala, sem pressa, e depois se amplia. O sol brilha então iluminando democraticamente a todos os seres. As coisas ficam claras, e a sombra não consegue mais imitar a luz com eficiência.   
 
O século 21 é o século do despertar, segundo Helena Blavatsky. De fato, a cada dia se torna mais fácil perceber e participar ativamente do nascimento de uma civilização fraterna. Mas ela é construída de dentro para fora. Ela surge da alma de cada um, e se irradia em direção ao mundo, e ilumina o mundo como um pequeno sol.        
 
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Artigo originalmente publicado em www.FilosofiaEsoterica.com
http://filosofiaesoterica.com/ler.php?id=1563#.USdrNh2krbU